quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Essa tendência ao desequilíbrio


O mundo árabe desperta progressivamente. Os jornais e os livros instantâneos tem demonstrado que a democracia, para os árabes, é como a toupeira revolucionária do Marx, descrita cuidadosamente por Emir Sader ao se referir á América Latina dos últimos 40 anos: ela sai de sua toca e provoca um imenso estrago.

A Tunísia puxou o trem que descarrilhou ditaduras que, aparentemente, eram eternas. Kadafi, Mubarak e outros que se multiplicam num espaço onde intolerância e fanatismo convivem cotidianamente. Mas essa imagem turva do Oriente tem se desmanchado e os orientais, autenticamente, tem mostrado ao mundo o quanto de democracia ferve em suas vidas.

O grito da liberdade, a chama da esperança reatou e, acesa, contamina. O silêncio que havia era estratégico, fazia-se de oculto. Nas entranhas, um vulcão se preparava; homens, ansiosos por liberdade, articulavam o futuro de suas vidas no submundo do autoritarismo.

Essa aptidão à independência não precisou de uma referência: a liderança nascia da angústia. Havia de prestar atenção porque arranjavam-se conspirações por toda parte tentando evitar essa ação popular.

O psicanalista Contardo Calligaris, em sua coluna semanal no Jornal Folha de S. Paulo, escreveu nesta quinta sobre essa grande aceitação das teorias conspiratórias. É um caso, com certeza, que se deve analisar. Como pode homens informados e atentos acreditarem em desenhos da imaginação?

O engraçado é que o Contardo vem para contradizer esse meu raciocínio. Ele afirma que em regra, adoramos entender o mundo como fruto de conspirações que tentam nos enganar.

Faz muito sentido essa afirmação. O autor continua, sustentando os argumentos nas teses de Elaine Showalter (História das Histerias – já esgotado –) concluindo que as conspirações existem porque elas não passam, no final das contas, de uma consolação à nossa existência. Segundo Contardo, nada mais gratificante do que a existência de um plano”, bom ou ruim, mas que esteja sendo coerente – mesmo contradizendo – as minhas intenções de mundo.

Para encerrar, Caligaris ainda ressalta o quanto de prazer individual gera esse sentimento de conhecer uma conspiração, “afinal, o conspirador, ao qual atribuo a vontade de me enganar e manipular, é quase sempre uma projeção, ou seja, é minha própria criação, à imagem e semelhança de mim”, conclui o psicanalista.

As revoltas do mundo árabe surgiram assim, como uma conspiração desconhecida, um levante invisível ou uma bala perdida. O regime cai, depois de exaurir a paciência popular diante dos desmandos e exageros cometidos por um regime extremamente arrogante.

A História, engraçado, se faz de espelho para essas revoluções e mostra a Revolução Francesa, a Revolução Russa de 1917, a Revolução Cubana e a nicaraguense, que derrubaram o monstro do poder sem serem sentidas e reconhecidas como perigosas.

A teoria do Contardo sobre as conspirações explica. São tão íntimas, mesmo representando aspirações coletivas, que o poder estabelecido, embriagado de luxuria e arrogância, desmerece e esquece que há dentro do povo essa tendência ao desequilíbrio.

E não podemos esquecer que, no fim de tudo, há sentido até nas aberrações.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Historiador-cronista, cronista-historiador.

Observar o passado sempre é uma experiência fascinante e, ao mesmo tempo, muito complexa. Há muito de polêmica envolvida nessa disposição em discutir, contrariar e, sobretudo, divulgar uma expressão sobre, muitas vezes, como se deu esse passado.

Foi no século XIX, quando houve a famosa transformação da História em um conhecimento científico, que nasceu essa preocupação com a forma da narrativa histórica, ou seja, aquela que se dispõe a reconstruir o passado. Os cientificistas de uma Europa positivista, envoltos pela explosão de progresso oriunda da Revolução Industrial, tentaram formular uma estratégia que organizasse esse discurso do passado de acordo com as ambições que tinha para o presente.

Repare que a Revolução Industrial deixou um herança que persiste até hoje na sociedade ocidental e que, depois do processo de globalização e da massificação dos dispositivos do Steve Jobs, o mundo inteiro continua respirando, que é essa atmosfera fanática por certezas absolutas, verdades imbatíveis e conhecimento verdadeiro. Vale lembrar que a Revolução Industrial é filha ideológica do Iluminismo, aquele movimento intelectual que defendia a idéia de que a razão é o único instrumento que esclarece o homem para o mundo e o encaminha para o progresso.

Observem, mais uma vez, que avançar é um termo que preenche a existência desse povo todo.Curiosamente, ainda é uma expressão muito presente na sociedade atual. Essa permanência linguística é bem interessante. Sociedades, por mais que reneguem as anteriores, não conseguem esconder essa inconsciente influência, e a linguagem é responsável por essa contrariedade. A sociedade medieval, por exemplo, herdou um vocabulário do latim romano, mas aplicou os significados e os utilizou de maneiras completamente diferentes.

Todo esse arrodeio para falar que, por mais cuidado que se tenha com a narrativa, a História não é o passado. Marc Bloch já atinha atentado para isso,no trabalho sobre o Ofício do Historiador, dizendo que a História não é uma Ciência do passado, mas uma ciência do Presente que estuda o passado. A História, sem pretensões determinantes, é um mundo aberto e cheio de possibilidades.

Todo Historiador, por mais neutralidade que defenda possuir, não nega as condições éticas que o presente lhe oferece. Isso não significa aptidões ao anacronismo, muito menos uma forma infeliz de um historiador que faz de seu trabalho um trampolim político, por exemplo, enfestado de pragmatismo.

O profissional que escreve a história é um grande cronista. É aquele que entende o cotidiano, que sente o cheiro, a dor, o brilho do presente e os reconhece pelo retrovisor da vida. São esses elementos que se transformam fundamentais na hora que o historiador escolhe sua época, como se costuma comentar na academia, para trabalhar e se dedicar a leituras e pesquisas eternas.

Isso tudo para dizer que o Blog, mais uma vez, está de volta, e com a proposta de simplesmente comentar e conversar sobre esse cotidiano que é a cara da nossa História. Contamos com as contribuições dos leitores, que são os responsáveis por sempre apontar a inevitável incompletude de quem se dispõe a escrever, seja lá o que for.

Um último comentário antes de encerrar a postagem: não reparem na falta de compromisso desses dois historiadores, com esse retardo de mais de um ano para escrever alguma coisa. É que o ontem nos ocupa muito.

Boas leituras.


 
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