
O mundo árabe desperta progressivamente. Os jornais e os livros instantâneos tem demonstrado que a democracia, para os árabes, é como a toupeira revolucionária do Marx, descrita cuidadosamente por Emir Sader ao se referir á América Latina dos últimos 40 anos: ela sai de sua toca e provoca um imenso estrago.
A Tunísia puxou o trem que descarrilhou ditaduras que, aparentemente, eram eternas. Kadafi, Mubarak e outros que se multiplicam num espaço onde intolerância e fanatismo convivem cotidianamente. Mas essa imagem turva do Oriente tem se desmanchado e os orientais, autenticamente, tem mostrado ao mundo o quanto de democracia ferve em suas vidas.
O grito da liberdade, a chama da esperança reatou e, acesa, contamina. O silêncio que havia era estratégico, fazia-se de oculto. Nas entranhas, um vulcão se preparava; homens, ansiosos por liberdade, articulavam o futuro de suas vidas no submundo do autoritarismo.
Essa aptidão à independência não precisou de uma referência: a liderança nascia da angústia. Havia de prestar atenção porque arranjavam-se conspirações por toda parte tentando evitar essa ação popular.
O psicanalista Contardo Calligaris, em sua coluna semanal no Jornal Folha de S. Paulo, escreveu nesta quinta sobre essa grande aceitação das teorias conspiratórias. É um caso, com certeza, que se deve analisar. Como pode homens informados e atentos acreditarem em desenhos da imaginação?
O engraçado é que o Contardo vem para contradizer esse meu raciocínio. Ele afirma que “em regra, adoramos entender o mundo como fruto de conspirações que tentam nos enganar.”
Faz muito sentido essa afirmação. O autor continua, sustentando os argumentos nas teses de Elaine Showalter (História das Histerias – já esgotado –) concluindo que as conspirações existem porque elas não passam, no final das contas, de uma consolação à nossa existência. Segundo Contardo, nada mais gratificante do que “a existência de um plano”, bom ou ruim, mas que esteja sendo coerente – mesmo contradizendo – as minhas intenções de mundo.
Para encerrar, Caligaris ainda ressalta o quanto de prazer individual gera esse sentimento de conhecer uma conspiração, “afinal, o conspirador, ao qual atribuo a vontade de me enganar e manipular, é quase sempre uma projeção, ou seja, é minha própria criação, à imagem e semelhança de mim”, conclui o psicanalista.
As revoltas do mundo árabe surgiram assim, como uma conspiração desconhecida, um levante invisível ou uma bala perdida. O regime cai, depois de exaurir a paciência popular diante dos desmandos e exageros cometidos por um regime extremamente arrogante.
A História, engraçado, se faz de espelho para essas revoluções e mostra a Revolução Francesa, a Revolução Russa de 1917, a Revolução Cubana e a nicaraguense, que derrubaram o monstro do poder sem serem sentidas e reconhecidas como perigosas.
A teoria do Contardo sobre as conspirações explica. São tão íntimas, mesmo representando aspirações coletivas, que o poder estabelecido, embriagado de luxuria e arrogância, desmerece e esquece que há dentro do povo essa tendência ao desequilíbrio.
E não podemos esquecer que, no fim de tudo, há sentido até nas aberrações.