domingo, 7 de dezembro de 2008

>> 20 anos de constituição



"Mentiras sinceras me interessam"


O ano era 1988 e já tínhamos completado quatro anos de "redemocratização". Nascia, então, a nossa atual constituição, que é detentora de grandes controvérsias quanto a sua existência e vigor. Em uma série de dois posts, o blog se aprofunda em várias vertentes que contribuem para o entendimento da força política da constituição federal e faz um balanço da democracia brasileira nessas duas décadas de "liberdade" após o regime militar.



Afonso Bezerra

Em 1964 os militares davam o golpe e assumiam o poder do maior país da América do sul, territorial e politicamente falando. O Brasil acordou tendo em seu governo rifles, fardões, uma postura irredutível e uma sanguinária repressão exposta e sem medir proporções. Jornalistas ou qualquer cidadão que mostrasse seu ponto de vista, e ele sendo contrário ao regime, teria pouco tempo pela frente de liberdade ou, até mesmo, de vida. Marcados em calendário, foram exatamente 20 anos de ditadura militar. Em 1984, no governo gerenciado pelo general Figueiredo, o Brasil entrava na rota democrática e caminhava para os braços do liberalismo, iniciado por Fernando Collor de Melo em 1989. Mas, antes disso, tivemos um processo lento e árduo da consolidação de um regime democrático, embora que no papel: a eleição parlamentarista de Tancredo Neves - com sua morte, assume Sarney - e toda uma campanha presidida por Ulysses Guimarães pela formação da constituinte, por eleições diretas e por um sufrágio universal.

De uma origem aristocrática e de uma postura firme diante dos púlpitos parlamentares, Ulysses Guimarães, então do recém-modificado PMDB, tornou-se um emblemático e estranho político popular devido à sua postura no engôdo da construção da constituinte. Em 1984, por todo Brasil, O senhor diretas, como ficou conhecido, ganhou milhares de fãs e admiradores por sua posição a favor de uma democracia, na luta pelo voto e por um governo presidencialista no Brasil. Amigos ou não, a relação de negócios envolvendo senhores políticos e senhores empresários - principalmente de comunicação - foi se apertando com a postura da Emissora Rede Globo de Tv, que noticiou um comício das Diretas Já com 100 mil pessoas, na praça da Sé em São Paulo, como uma comemoração de aniversário da cidade. A repercussão foi dura para os caciques que em cima do palanque estavam e contavam com o apoio da imprensa da massa. Mas a emissora se mostrou ainda ligada ao regime anterior. Tempos depois, vendo o sucesso da caravana das Diretas Já e a adesão popular crescendo, muitos políticos que questionavam a mudança política do país, viraram grandes defensores da democracia e da renovação no Brasil, e no mesmo caminho seguiu a imprensa submissa: onde o poder apontava desembarcar.

Costurando a situação, os oportunistas se abraçam em busca do poder na renovação política. Com o anúncio da volta do regime presidencialista e pelo voto do povo, a população brasileira se animou e foi às ruas vibrar por essa mudança. Mas nem tudo era tão bom como eles pensavam: havia um aviso de que o primeiro presidente da redemocratização seria eleito pelo parlamento brasileiro, com o álibi de que era para manutenção e estabilização do processo político, visando conter possíveis golpes de retorno militar. A contradição do termo redemocratizar começa logo aí, na redemocratização. As esperanças se sustentam na fé inquebrantável do povo brasileiro. E todos unidos foram até 1988 esperando ouvir a voz dizer que "o povo vai eleger o presidente".

O ano de 88 chegou e com ele a transformação social brasileira: a criação da constituição. A verdadeira intenção na formulação deste artifício jurídico era de criar uma ampla defesa do povo brasileiro e de uma camada que é mais oprimida, como os índios e os camponeses, com a demarcação de terra. A criação do documento dos Direitos Humanos, buscando atenuar o preconceito com negros e homossexuais e, inclusive, ampliar a participação do povo brasileiro na legislação através de seus representantes Deputados ou Senadores.




Folha Imagem/Lula Marques



A realidade, duas décadas depois, é triste. O povo que tanto esperou chegar 1988 para poder votar, afoga-se nessa turbulência social em que vivemos e só serve para legitimar as eleições, que se repetem em dois e dois anos, como se fossem uma manutenção de interesses da restrita alta classe brasileira. A firmeza e combatividade ficam julgadas como irrisórias e ineficientes, porque a maioria dos parlamentares é formada por grandes empresários, fazendeiros, etc. Durante 20 anos vivemos sob a promessa de Reforma Agrária por vários governos, inclusive por um que se dizia dos trabalhadores, dos pobres, como foi a chegada de Lula ao poder. A pergunta que não cala é como um parlamentar, dono de latifúndio, irá aprovar uma emenda constitucional que vai deliberar a reforma agrária no Brasil?

A imparcialidade e a defesa de uma mudança social fica restrita ao discurso durante as eleições. Além desses problemas, temos a realidade crua da não execução dos artigos inseridos na constituição, como a defesa da liberdade de expressão. Várias rádios com ideologia editorial nas linhas educativas foram fechadas com argumentos de que feriam a lei governamental contra as rádios piratas. Na verdade, as rádios são fechadas por serem incisivas na crítica ao governo, ao problema social brasileiro, diferentemente das rádios comerciais, que têm concessões renovadas automaticamente, e que tocam músicas pornográficas, sem nenhum crescimento cultural e crítico. Acredita-se que esse tipo de entretenimento é permitido com tanta facilidade visando o entrave ideológico da população contra os problemas do país, ou seja, é uma forma de manipular uma ordem social que beneficie o governo.

O que vem sendo noticiado nos últimos dias pelos jornais são, também, os 20 anos da implantação do SUS - Sistema Único de Saúde, que é uma prestação do serviço público na saúde. De certa forma, foi um grande avanço para as pessoas serem servidas com "qualidade" no atendimento médico. Mas o que se percebe hoje, duas décadas depois da implantação do sistema, são os hospitais em estado decadência, um investimento pífio no desenvolvimento de tecnologias para ampliar a pesquisa médica. Pessoas morrendo em filas, sendo atendidas nos corredores, um atendimento rude. Tudo isso é oriundo da falta de atenção e o mal investimento de políticas públicas do governo. A educação do Brasil, nesses 20 anos de constituição, segue no mesmo trilho que a saúde: em estado de decadência. O número de violência nas escolas públicas aumentam consideralvente. Jovens com 15 e 16 anos, que estão terminando os estudos, saem da escola parcialmente alfabetizados, com dificuldades em leituras e os professores não recebem os investimentos devidos para o sucesso na sala de aula.

Com essas informações o que se vem a entender é que o governo, ou melhor, o estado tem tido como função ser um divisor de águas na política social: dividir o Brasil em Castas: Ricos x Pobres. Enquanto os sistemas de saúde e educação públicos andam em deficiência, os privados recebem prioridades do governo. Como exemplo temos dois programas sociais ligados à Educação, que são o Rumo à Universidade e o Reuni, que é o incentivo à contração da propriedade privada, responsável por essa disparidade social existente no Brasil. O que se constata com essa realidade é que as mentiras sinceras interessam e alimentam a idéia de que vivemos em uma democracia




*As fotos são do Folha Imagem/ Lula Marques.

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